A Caminho Francês de Santiago de Compostela de bike

Hoje eu adoro ver a reação das pessoas quando digo que pedalei SOZINHA o Caminho Francês de Santiago de Compostela – 854Km ! Uns arregalam os olhos e falam “Nossa que coragem! , outras falam ” Que loucura!” e raras almas aventureiras dizem ” Deve ter sido incrível”!

E foi incrível.

Há quem acredita que se alguém está sozinho é por falta de opção. Quase nunca passa pela cabeça das pessoas que é justamente o contrário: uma escolha consciente de dar um tempo para ficar com você mesma, se abrir para os lugares e as pessoas e, se perigar, até se conhecer melhor. Mas a decisão de viajar sozinha implica uma serie de cuidados e planejamento.

Não são apenas diferenças culturais ou questões de segurança que martelam a cabeça de quem viaja sozinho, especialmente se o viajante for uma mulher. Informações prévias fazem toda a diferença e a mais importante delas é a escolha do roteiro. E foi aí que pensei: porque não o Caminho de Santiago de Compostela?
Seguir uma das rotas consagradas na Idade Média até a capital da Galícia seria uma experiência inesquecível. Estava com um bom preparo físico, com disposição para abrir mão do conforto e com muita curiosidade.

Comecei então a minha busca por informações, e cada vez ficava mais segura com relação à minha escolha. Não faltaram relatos e mapas para ler e reler.
Optei por fazer o Caminho Francês apenas por pesquisar e ver que esse, entre os caminhos existentes, é o mais longo de todos, o mais conhecido e percorrido também.

A bike

Normalmente as pessoas escolhem fazer de bicicleta por motivos relacionados ao tempo de travessia. Eu não tinha pressa, mesmo estando de bike. Decidi alugar, por  ser uma opção mais cômoda. Não é necessário transportá-la nem na ida nem na volta, basta contratar o aluguel no dia do início da viagem e devolvê-la no final. 

Eu não tive problema com a necessidade de saber com antecedência o dia exato do término da viagem. Como havia lido que a etapa para percorrer o caminho de bike leva pelo menos 15 dias, aluguei uma por 20 dias e fui tranquila, sem pressa.  Outro cuidado que tive foi aprender sobre a mecânica; aprendi trocar pneus e cuidados com a manutenção. Afinal eu iria sozinha e sabia que oficinas só nas cidades maiores. Aprendendo sobre manutenção, percebi que não existe nada em uma bicicleta que uma mulher não possa fazer.
Minha viagem começou no dia 11 de setembro de 2015 com uma rota pré-definida: pensei em cada detalhe de cada etapa e todas as possibilidades. Com mapa na mão e uma lista de albergues, hostels e hotéis segui para minha primeira viagem de bike solo, mas não solitária.

Aluguei minha bike no site www.bicigrino.com  .

Todo o meu contato foi com Tomas Sanches através de e-mails. Conforme planejado, minha bike chegou ao hostel onde fiquei hospedada (Hostel Gite Ultréia), sem nenhum problema. Ela vem embalada e a única coisa que precisei fazer foi colocar os pedais. Próximo ao Hostel há uma oficina de bikes e para garantir se estava tudo ok e também ajusta-la levei-a para uma revisão.
Com a bike ajustada segui para  a oficina dos Peregrinos para obter a minha Credencial.

A credencial do Peregrino é indispensável e exclusiva para quem percorre o Caminho. Renovando a tradição das cartas de apresentação ou “salvos-condutos” dos peregrinos medievais, com ela é possível pernoitar em albergues especiais, igrejas e monastérios ao longo de todo caminho. Nela, há várias lacunas em branco onde devem ser marcados com carimbos os lugares em que o peregrino passe ou se hospede, a fim de comprovar seu percurso. Fiz meu primeiro carimbo e adquiri a concha vieira, um dos símbolos dos Peregrinos.
Tudo pronto!!!!

O Início

Cheguei a  Saint-Jean-Pied-de-Port de ônibus. Do Brasil até Pamplona fiz um voo pela Ibéria. Chegando ao aeroporto segui  até a Estação de ônibus de Pamplona.

De lá segui pela Empresa ALSA -(https://www.alsa.com/O preço da passagem foi de 10 Euros , há também a opção de transfer ou táxi a um custo 100 dólares e pode ser contratado antes. www.gettransfer.com/Pamplona/Transfer.

A tradução de Saint Jean Pied de Port significa “São João ao Pé da Montanha”. Faz sentido! A cidade fica num vale, praticamente aos pés dos Pirineus, está cercada de montanhas e é banhada pelo Rio Nive. É uma das cidades mais bonitas do país basco francês. Cheia de charme! Fiquei na cidade por dois dias. Tinha tempo e queria muito explorá-la com calma.

Saí de Saint Jean pelo Portão de St-Jaques. Nele se inicia todo o processo de caminhada. Em 1998, a UNESCO o decretou como patrimônio da humanidade, parte do Caminho de Santiago localizado na França. Por aqui, circulam peregrinos do mundo inteiro. Pessoas que aguardam pelo início de sua jornada e outras que já estão nela há mais dias. Pessoas que estão depositando todo tipo de sentimento nessa trajetória. Para cada um, o Caminho tem um significado. Passar alguns momentos observando tudo isso, sabendo que você também faz parte dessa movimentação, é muito prazeroso!

1ª Etapa  do caminho Francês de Santiago de Compostela 

SJPP / Honto / Orisson / Roncesvalles

Total – 29,6Km

Parti já pensando na dificuldade de enfrentar os Pirineus franceses.  Havia lido vários relatos a respeito deles e confesso que estava com muito medo, não só pela altimetria com alto grau de dificuldade – sair de 200 mt de altitude, para atingir os 1420 m –  o ponto mais alto -, mas por ser essa primeira etapa conhecida como um lugar onde tudo pode acontecer em questão de minutos.

Muitos já morreram ali, infelizmente. Mas fui privilegiada com um dia lindo de sol; em alguns momentos o vento foi forte a ponto de fazer com que eu perdesse o equilíbrio, mas nada que atrapalhasse. Pude usufruir de paisagens belíssimas. O alto da colina é lindo e no alto você também se sente mais livre.


As primeiras pedaladas logo me fizeram passar pelo pequeno povoado de Hontto.

O piso de asfalto, nas primeiras horas de pedal, facilitou bastante a tarefa, mesmo sendo alta a intensidade da subida.

Existe outra opção, uma rota alternativa toda em asfalto passando por Valcarlos. Ela é mais acessível e geralmente utilizada por um grande número de ciclistas. Não foi o meu caso. Queria a trilha, o visual espetacular, majestosas paisagens e tudo que o caminho nos Pirineus podia proporcionar. Optei pela Ruta de los Puertos de Cize ou Rota de Napoleão.

A beleza dos lugares por onde passava me enchia os olhos!!!

O Caminho continua a subir progressivamente, alternando subidas e descidas até a Cruz Thibault

Cruz Thibault

Daí por diante ( exatamente nessa cruz), somente trilhas, deixando o asfalto para trás. Nessa etapa é comum, além das tradicionais setas amarelas, vermos também os sinais franceses. Eles são representados por dois traços horizontais. Um vermelho e outro branco. Quando estão na horizontal e paralelos indicam para seguir em frente; quando estão cruzados, significam que o caminho está errado.

Após a fronteira, passei pela Fonte de Rolando e me abasteci de água. Dali por diante, existem postes de madeira numerados e com a indicação do nº 112 de emergência, fincados a cada 50 metros, e que servem de referencial aos peregrinos em dias de cerração, neve ou climas inóspitos. Tudo muito bem sinalizado!

Minha pedalada (algumas empurradas) prosseguiu tranquila até o “Collado de Bentarte” e, ao dobrar à direita, seguindo a sinalização, passei diante do “Collado de Izandorre”, onde existe um abrigo peregrino (Abrigo de Izandorre) construído para que, em casos extremos, seja possível o peregrino pernoitar. Conversando com um peregrino fiquei sabendo que em abril três pessoas – um britânico e dois coreanos – haviam sidos resgatados aqui, devido ao acúmulo de neve.

Abrigo de Izandorre

Na sequência, passei pelo “Collado Lepoeder”, depois prossegui subindo por um caminho pedregoso, até atingir o ápice da elevação, a 1.429 m de altitude, o ponto de maior altimetria dessa etapa.  Nem acreditava, fiquei um bom tempo ali pensando: consegui!!!!!

Cheguei ao topo: agora teria que enfrentar a descida até Roncesvalles, que é bem íngreme. 

Chegando ao pequeno povoado, já procurei o albergue municipal,  Real Colegiata de Santa Maria de Roncesvalles. Não havia vaga. Então selei minha credencial, fui para a oficina de turismo buscar informações. Fiquei hospedada no Hotel Roscesvalles.

À noite, fui visitar a igreja e assistir à missa dos peregrinos que acontece diariamente; após a cerimônia, fomos todos abençoados em meio a sonoros e afinados cantos gregorianos, entoados pelos padres celebrantes. Emocionante!

O dia seguinte amanheceu com o tempo bastante fechado e com chuva. A recepcionista do hotel me avisou sobre a meteorologia prevista para o dia – “o dia todo hoje é de fortes tormentas”.Bom, eu não tinha pressa; portanto revolvi esperar. E realmente pela manhã choveu muito. Já estava decidida a ficar mais um dia no pequeno povoado, quando, por volta do meio-dia, o sol saiu como me dizendo … vá! E eu fui.

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