Vietnã de bicicleta : Do Norte ao Sul

O Vietnã sempre me fascinou. Sua história rica, suas paisagens contrastantes e o ritmo vibrante das cidades despertavam em mim o desejo de explorá-lo de perto, absorvendo cada detalhe no meu próprio ritmo. Com suas estradas cênicas, vilarejos isolados e uma cultura profundamente ligada ao cotidiano das ruas, parecia o cenário ideal para uma cicloviagem. Assim, decidi percorrê-lo de bicicleta, começando pelo NORTE, descendo pela REGIÃO CENTRAL e, por fim, chegando ao SUL

 Foram 690,4, a distância que percorri pelo país . Uma média de 53 km por dia.

13 etapas: este foi o número exato de dias de ciclismo efetivo que levei para percorrer as regiões.

Além disso, fiz um dia de descanso em Cat Ba, Pu Luong e Hoi An. Em Hanói, fiquei 3 dias, e em Saigon, também 3. Considerando todas as paradas, a viagem durou 22 dias.

1 país, três regiões, infinitas experiências

Pedalar pelo norte do Vietnã é se perder entre montanhas, vilarejos étnicos e o charme caótico de Hanói. De Ha Giang às águas tranquilas de Ha Long Bay, cada estrada revela paisagens impressionantes e a cultura vibrante do povo vietnamita.

No centro, o passado e o presente se encontram. As ruas iluminadas de lanternas em Hoi An, as montanhas desafiadoras do Hai Van Pass e as ruínas imperiais de Hue fazem do percurso uma verdadeira viagem no tempo, sempre acompanhada pela calorosa hospitalidade local.

O sul do Vietnã pulsa com vida. O Delta do Mekong, com seus mercados flutuantes e arrozais intermináveis, contrasta com a energia frenética de Saigon. Pedalar por essa região é sentir o coração do país batendo entre rios, vilarejos e a vibrante cultura do sul.

A minha viagem

Ao pesquisar sobre a viagem, percebi que havia poucos relatos de cicloviajantes no país. Diferente da Europa, o Vietnã não possui ciclorrotas demarcadas ou sinalizadas. Descobri que a viagem exigiria seguir por rodovias movimentadas e estradas rurais, muitas vezes em condições precárias. A ideia de enfrentar essas rotas sem suporte me deixou insegura, e percebi que precisaria de um apoio logístico para tornar a experiência mais viável. Foi então que decidi alugar uma bicicleta e contar com o apoio, que incluía o transporte da bagagem e a assistência de um ciclista local – no Norte, contei com o apoio do Tom; no Centro, com o Ky; e no Sul, com o Hạppiness.”. Ter alguém experiente ao meu lado, conhecendo os melhores caminhos e lidando com eventuais imprevistos, faria toda a diferença. Com essa questão resolvida, parti rumo a Hanói, meu ponto de partida para mais uma cicloviagem

Na região norte o ponto de partida: Hanói

Hanói, a capital do Vietnã, carrega mais de mil anos de história. Fundada em 1010 pelo imperador Lý Thái Tổ, foi chamada de Thăng Long, “Dragão Ascendente”, e manteve-se como o coração político e cultural do país ao longo dos séculos. Durante o domínio francês, de 1887 a 1954, a cidade adquiriu um charme europeu, evidente nos edifícios coloniais e nas largas avenidas do Bairro Francês. Após a independência, tornou-se símbolo da resistência vietnamita durante a Guerra do Vietnã, suportando bombardeios e desafios até a reunificação em 1976.

Hoje, a cidade vive uma mistura vibrante do antigo com o moderno. No bairro antigo, as ruelas mantêm a atmosfera das dinastias passadas, enquanto motocicletas dominam as ruas, Milhares delas deslizam como um cardume ágil, carregando de tudo: famílias inteiras, sacos de arroz, até árvores em vasos. Atravessar a rua exige confiança – um passo firme, sem hesitação, deixando os condutores ajustarem sua trajetória ao redor.  As bicicletas, que um dia foram protagonistas dos deslocamentos, agora dividem espaço com o trânsito caótico.

Antes de iniciar o pedal pela região norte, passei três dias na cidade, tempo suficiente para explorar seus principais pontos de interesse e mergulhar na cultura local. No terceiro dia, entrei em contato com a agência onde aluguei a bicicleta para verificar suas condições e acertar os últimos detalhes da viagem. Foi então que descobri que compartilharia essa cicloviagem com três americanos: Ted, Pamela e Sheryl. Com o tempo, eles se revelaram companheiros incríveis, cuja presença tornou a experiência ainda mais especial. Sem eles, a viagem certamente não teria sido a mesma.

Ted, Tom , Pamela e Sheryl

1º dia – Explorando Hanói

Começamos explorando os pontos históricos da cidade. A primeira parada foi no Templo da Literatura (Văn Miếu Quốc Tử Giám), um local dedicado a Confúcio e aos antigos acadêmicos do país, que exalava sabedoria e tradição. As colunas de madeira, os pátios e os jardins bem cuidados contavam histórias de um tempo em que o conhecimento era um dos bens mais valiosos. Pelos pátios, estudantes recém-formados, vestindo trajes de gala, celebravam suas conquistas . Observá-los foi um privilégio, como testemunhar a continuidade de uma tradição que atravessa séculos.

Templo da Literatura (Văn Miếu Quốc Tử Giám)

Templo da Literatura (Văn Miếu Quốc Tử Giám)

No pátio central, homens de vestes azuis moviam-se em perfeita sincronia sobre tapetes decorados, prestando homenagem ao Taoismo na Cerimônia de Oferenda de Incenso.  O silêncio respeitoso dos espectadores amplificava a atmosfera mística. Entre a fumaça que subia lentamente, senti que presenciávamos algo maior—uma tradição viva, onde espiritualidade e sabedoria se cruzam.

Dentro do templo, uma escultura imponente chamou minha atenção: um grou esguio pousado sobre o casco de uma tartaruga. Aproximei-me, fascinada pela dualidade que aquela imagem transmitia. O grou, símbolo da leveza e da espiritualidade, representava a busca pelo infinito, pela sabedoria que transcende o tempo. Já a tartaruga, símbolo da resistência e do conhecimento terreno, ancorava-se na realidade, paciente e inabalável. Juntos, formavam um equilíbrio perfeito: o céu e a terra, o efêmero e o eterno, a ambição e a serenidade.

Ainda durante a visita, tivemos a oportunidade de participar de uma demonstração de caligrafia tradicional vietnamita, realizada por mestres locais.

Nossa passagem por ali poderia durar mais tempo, mas, infelizmente — ou talvez não — outros lugares nos aguardavam. Seguimos, então, em direção ao 

Mausoléu de Ho Chi Minh

Mausoléu de Ho Chi Minh

Mausoléu de Ho Chi Minh

O local impunha sua presença solene, guardando os restos do líder vietnamita em um silêncio quase reverente. Caminhamos entre turistas e moradores, sentindo o peso da história que aquele lugar carregava.

De volta às ruas agitadas, nos aproximamos do Lago Hoan Kiem, onde a lenda da espada devolvida à tartaruga sagrada ainda ecoava entre os moradores. Caminhei sobre a ponte vermelha que levava ao Templo Ngoc Son, situado em uma pequena ilha no meio do lago. O contraste entre o verde das árvores e o vermelho vibrante da ponte formava uma cena digna de ser registrada.

 

 O dia terminou com uma apresentação de um show de marionetes na água (múa rối nước) uma das tradições culturais mais emblemáticas do Vietnã, especialmente em Hanói. Essa arte milenar surgiu há mais de mil anos, nas aldeias do delta do Rio Vermelho, onde os camponeses criaram a técnica para entreter a comunidade durante os períodos de enchente.

Show de marionetes na água (múa rối nước)

Show de marionetes na água (múa rối nước)

Depois  um jantar ao lado do grupo, onde trocamos impressões sobre tudo o que vimos. Entre sabores e risadas, senti que Hanói havia me envolvido completamente — com sua energia, sua história e sua beleza única.

2º dia Hanoi / Bac Ninh / Chi Ling / Halong – 61,3 km

Deixamos Hanói cedo, quando a cidade ainda despertava em meio ao som das buzinas e ao movimento incessante das motocicletas. O trajeto começou pela estrada QL1A, uma rodovia bem pavimentada que corta a capital vietnamita e, pouco a pouco, nos levou para longe do caos urbano. À medida que deixava a cidade para trás, a paisagem se transformava: ruas movimentadas davam lugar a campos de arroz verdejantes e pequenos vilarejos tranquilos.

Logo, cruzamos estradas estreitas onde o ritmo da vida parecia seguir outro ritmo. Crianças em uniformes escolares pedalavam animadas, rindo e conversando entre si, enquanto moradores locais seguiam suas rotinas diárias. Em um trecho mais adiante, dividimos o caminho com um pequeno rebanho de gado , uma cena que reforçava o caráter rural da região. 

Ao chegar em Bac Ninh, um dos berços culturais do Vietnã, fizemos nossa primeira parada para o almoço.

Depois, seguimos para a aldeia Phù Lãng,

uma aldeia escondida entre colinas e às margens do Rio Cầu, conhecida há séculos por sua tradição na cerâmica. Ao nos aproximarmos notamos pilhas de potes de cerâmicas secando ao sol. O cheiro da terra queimada misturava-se com o calor vindo dos fornos, onde os artesãos moldavam suas peças com habilidade e paciência.

Estacionamos as bicicletas e fomos recebidos por um artesão local, que me convidou a conhecer a fabrica. Com as mãos cobertas de argila, ele explicou que a cerâmica de Phù Lãng remonta ao século XIII, quando a técnica foi introduzida durante a dinastia Trần. Aqui, a arte passou de geração em geração, preservando métodos tradicionais, como a queima em fornos de lenha e o uso da argila rica do Rio Cầu.

Pedalando pela vila, vimos mulheres esculpindo detalhes minuciosos em vasos enormes. Pequenas lojas exibiam peças de todos os tamanhos e formatos, desde potes utilitários até esculturas decorativas.

Deixamos Phù Lãng encantados e seguimos pedalando. Nesse trecho, tivemos que atravessar o Rio Cầu duas vezes de balsa antes de retornarmos à estrada QL18, rumo a Chi Linh. A estrada seguia entre plantações e pequenos riachos. O cenário era pontuado por casas simples, onde crianças de bicicletas corriam e acenavam ao me ver passar.

Nossa passagem por Chi Linh, um local profundamente ligado à história vietnamita e à memória de Tran Hung Dao, um dos maiores heróis do país, foi rápida. Depois, seguimos pedalando por um percurso , que ofereciam vistas deslumbrantes e pequenas trilhas.

Cada quilômetro percorrido entre Hanói, Bac Ninh e Chi Linh revelou não apenas paisagens encantadoras, mas também a riqueza cultural e histórica do Vietnã. Em Chi Linh, concluímos o percurso do dia e, a partir dali, seguimos de van até a cidade de Halong.

3º dia Halong /Ilha Cat Ba – 31,3 km

Depois de deixar Halong, embarcamos em uma rápida viagem de balsa pela Baía de Halong, navegando entre espetaculares formações de calcário que emergiam das águas verde-esmeralda do Golfo de Tonkin. O cenário era hipnotizante: ilhotas cobertas de vegetação densa e penhascos imponentes se refletiam no mar calmo.

Assim que desembarcamos na Ilha de Cat Ba, fomos recebidos por uma atmosfera vibrante, com pequenos barcos de pesca coloridos ancorados na baía e montanhas cobertas de floresta ao fundo.

Do porto seguimos pedalando até a Caverna Trung Trang, com seu impressionante sistema de túneis naturais, nos fez sentir como verdadeiros exploradores.

 

Após um almoço revigorante à beira-mar, subimos em nossas bicicletas para explorar a ilha. Pedalamos por estradas sinuosas, cercadas por colinas verdejantes e vilarejos tranquilos, onde moradores nos cumprimentavam com sorrisos. A cada curva, a paisagem parecia se transformar, revelando novos ângulos das formações de calcário que fazem de Cat Ba um destino tão especial.

Do alto de uma colina, vimos o  por do sol , tingindo o céu de tons alaranjados .

 

Cat Ba nos surpreendeu com sua diversidade de paisagens e belezas naturais. Entre trilhas, cavernas e vistas deslumbrantes, cada momento na ilha foi uma descoberta fascinante, deixando em nós a sensação de que ainda havia muito mais para explorar.

4º dia Explorando a Ilha Cat Ba – 40,3 km

O dia de hoje foi reservado para explorarmos a ilha de barco.

Após o café da manhã, embarcamos em um barco para explorar as áreas mais remotas e intocadas da Baía de Lan Ha. Navegamos por entre ilhas e imponentes formações rochosas até fazermos uma parada, onde trocamos o barco por caiaques. Deslizando pelas águas calmas, descobrimos lagoas escondidas, recifes de corais, praias desertas e majestosos picos calcários. Pelo caminho fazendas de peixe se destacam como ilhas artificiais, sustentando a vida de famílias que há gerações dependem do mar.

As estruturas simples, feitas de plataformas de madeira e barracos flutuantes, balançam suavemente com o movimento da maré. Redes submersas abrigam peixes e frutos do mar, cultivados pacientemente pelos pescadores que conhecem as águas como ninguém.

Após mais uma parada, mergulhamos nas águas refrescantes. De volta ao barco, fomos recebidos pelo aroma irresistível de um almoço típico preparado pelo nosso condutor. Sentados diante de uma refeição cuidadosamente preparada, apreciamos os sabores autênticos do Vietnã.

 

Ao final da experiência, retornamos ao ferry, que nos levou de volta a Halong. Nosso próximo destino, Ninh Binh, estava a aproximadamente 170 km de distância. Seguimos de van e, após cerca de três horas de viagem, chegamos ao hotel onde passaríamos a noite.

5º dia: Ninh Binh / Trang Na / Parque Nacional Cuc Phuong 70,4km

Deixamos o hotel logo pela manhã, sob um céu ensolarado e uma temperatura amena. Pedalamos ao longo do rio em um curto trajeto até Trang An, conhecida como a “Baía de Halong em terra”. Trang An é um complexo paisagístico tombado como Patrimônio Mundial da UNESCO, repleto de montanhas de calcário, rios serenos e cavernas misteriosas.

 

deixamos as bicicletas e seguimos a bordo de pequenos barcos a remo conduzidos por habilidosos barqueiros locais. Navegamos por um labirinto de canais naturais, passando por túneis esculpidos na rocha ao longo de milhares de anos. Algumas grutas são tão baixas que é preciso abaixar a cabeça para atravessá-las, enquanto outras se abrem em grandes salões iluminados por fendas naturais, criando um espetáculo de luz e sombra.

 

Entre as cavernas mais impressionantes estão a Gruta de Dia Linh, com suas formações calcárias esculpidas pela água ao longo dos séculos, e a Gruta de Toi (Caverna Escura), onde a escuridão absoluta contrasta com o brilho suave da lanterna do barqueiro. Há também a Gruta de Nau Ruou, onde, segundo a lenda, antigos reis armazenavam vinho.

Além das cavernas, o trajeto revela templos e pagodes escondidos entre as montanhas, como o Templo de Tran, dedicado a antigos generais vietnamitas, e o Templo de Bao Hieu, que proporciona uma atmosfera de paz e espiritualidade em meio à natureza.

O passeio por Trang An

não é apenas uma imersão na beleza natural do Vietnã, mas também uma viagem no tempo, onde história, lendas e paisagens se entrelaçam em uma experiência inesquecível.

Deixamos o lugar com pesar, desejando poder passar mais tempo ali. No entanto, era hora de seguir pedalando, desta vez rumo à antiga cidade de Hoa Lu, onde fizemos uma breve visita ao templo antes de continuar nossa jornada. A estrada, nos levou por uma paisagem de tirar o fôlego. 

 

Avançamos em direção ao hotel onde pernoitaríamos. Entre campos e formações rochosas imponentes, o trajeto exigia atenção: alguns trechos de terra e buracos desafiavam nossas pedaladas.

Ao chegar tivemos uma grata surpresa: um lugar cercado de verde foi perfeito para o descanso após um dia repleto de beleza.

6º dia:  Ninh Binh /Parque Nacional Cuc Phuong / Pu Luong – 88,3 km

Nas primeiras horas da manhã, deixamos o hotel e seguimos em direção ao Parque Nacional Cuc Phuong, um dos santuários de biodiversidade mais importantes do Vietnã. Situado no coração da cordilheira Tam Diep, o parque é um refúgio para diversas espécies de fauna e flora. Até então, vínhamos pedalando pela região de Ninh Binh, mas logo cruzamos para Thanh Hoa, por onde seguiríamos ao longo de todo o percurso do dia, com destino final em Pu Luong.

 

O caminho era desafiador, marcado por subidas constantes e ondulações que testavam nosso fôlego. Pedalamos por vastas plantações de acácias, extensos campos de cana-de-açúcar e fazendas de milho, passando por pequenas aldeias habitadas pelas tribos Thai e Muong. Em alguns trechos, enfrentamos estradas em reforma, repletas de caminhões e máquinas pesadas, o que nos obrigou a parar em alguns momentos e aguardar a passagem dos veículos.

Apesar dos contratempos, o trajeto foi recompensado por encontros inesquecíveis com crianças locais em suas bicicletas, que nos saudavam com sorrisos e muita animação, além das paisagens de tirar o fôlego.

 

Após vários quilômetros pedalando, alcançamos uma das regiões mais belas da jornada: o coração da Reserva Natural de Pu Luong. Com suas montanhas cobertas de vegetação exuberante e os emblemáticos terraços de arroz, a reserva parecia um cenário intocado.

Seguimos adiante até chegarmos ao alojamento familiar onde passaríamos a noite, imersos na tranquilidade e beleza do lugar.

7º dia:  Explorando a Reserva natural de Pu Luong –  15km

Hoje deixamos as bicicletas de lado para explorar a Reserva Natural de Pu Luong a pé. Nossa caminhada nos levou por exuberantes terraços verdes de arroz, aldeias de minorias étnicas e florestas intocadas.

 

Ao longo do percurso, passamos por pequenas vilas onde pudemos observar o cotidiano dos moradores. Mulheres trabalhavam em seus teares, enquanto camponeses dedicavam-se à árdua lida nos arrozais. A cena transmitia uma autenticidade rara, refletindo o ritmo de vida simples e harmonioso da região.

 

Seguimos por trilhas pitorescas que atravessavam as aldeias de Don e Hieu até chegarmos à deslumbrante Cachoeira Hieu. Diante das águas cristalinas e do som relaxante da queda d’água, fizemos uma parada para nos refrescar com um mergulho revigorante.

Depois de recuperar as energias, aproveitamos para descansar em um restaurante próximo e saboreamos um prato típico vietnamita, apreciando o momento sem pressa.

No retorno, seguimos o caminho imersos , contemplando a paisagem . Foi um dia memorável, marcado por natureza, cultura e experiências inesquecíveis.

8º dia:  Pu Luong / Mai Cháu – 70,3 km

Logo pela manhã, deixamos Pu Luong e seguimos pedalando ao redor de um vale de beleza exuberante, em direção a Mai Chau.

 

A estrada ora se apresentava em terra batida, com trechos precários, ora em asfalto mais regular. Mas o verde intenso da paisagem, as montanhas majestosas, os campos de arroz e os bosques de bambu tornavam cada quilômetro uma experiência única.

 

O cenário, por si só, nos convidava a fazer paradas frequentes, seja para contemplação, seja para registrar a imensidão da natureza ao nosso redor.

Uma dessas paradas aconteceu em uma fábrica de manufatura de bambu. Assim que entrei na oficina, fui imediatamente envolvida pelo ritmo frenético do lugar. O som ritmado das lâminas cortando as hastes ecoava pelo galpão, misturando-se ao barulho das máquinas e ao murmúrio dos trabalhadores que se movimentavam com precisão e agilidade.

 A Fábrica de manufatura de bambu

O trabalho era intenso e quase ininterrupto. Os operários, concentrados e eficientes, pareciam funcionar como engrenagens de uma grande máquina viva. Nunca antes eu havia testemunhado esse tipo de produção, e naquele momento, senti-me privilegiada por estar ali.

Dali seguimos pedalando, no trajeto, cruzamos com muitas mulheres trabalhando, seja na lavoura, no cuidado com os animais ou até mesmo na construção de estradas. A presença feminina era marcante em todos os aspectos da rotina local. Fiquei profundamente impressionada com a força e a resiliência das mulheres vietnamitas.

À medida que avançávamos, passamos por várias aldeias bucólicas, onde senhoras paravam o trabalho e corriam ao nosso encontro para nos cumprimentar com sorrisos radiantes. O cotidiano das pessoas fluía, em um ritmo simples e harmonioso.

Alguns quilômetros antes de chegarmos a Mai Châu, optamos por trocar a bicicleta pela van, evitando o trânsito intenso em uma estrada sem acostamento e garantindo uma chegada mais segura.

No final da tarde, chegamos a cidade e nos hospedamos em um local tranquilo, às margens de um belo lago. Um lugar acolhedor, perfeito para relaxar e recarregar as energias após mais um dia memorável de pedaladas e descobertas.

9º dia:  Explorando arredores de Mai Cháu – 21,3 km

Hoje foi nosso último dia no norte do Vietnã, e aproveitamos a manhã para explorar um pouco mais de Mai Châu.

Logo cedo, deixamos o hotel e saímos pedalando por estradas rurais, atravessando pequenas vilas decoradas com bandeiras do país. Pelo caminho, os moradores acenavam com simpatia, e a paisagem montanhosa, repleta de plantações variadas, parecia se despedir de nós.

 

Ao final do percurso, fizemos uma pausa em uma cafeteria para saborear, uma última vez, o autêntico café vietnamita. Ali, deixamos as bicicletas e nos despedimos de Tom, nosso companheiro de jornada.

Em seguida, seguimos de van rumo ao Aeroporto de Hanói, onde embarcamos para Hue, prontos para iniciar uma nova etapa da viagem e explorar a região central de bicicleta. 

10º dia:  Ponto de partida na região central do Vietnã: Hue

Assim como na região norte, optei por alugar uma bicicleta e contar com um suporte que incluía o transporte da bagagem e a assistência de um ciclista local, Ky. Logo pela manhã, nos encontramos para ajustar as bicicletas e definir os planos para explorar a região. Teríamos apenas três etapas a percorrer: primeiro, explorar os arredores de Hue e, em seguida, seguir rumo a Hoi An.

Hue é uma cidade impregnada de história e cultura, tendo sido a antiga capital da dinastia Nguyễn. Às margens do Rio Perfume, abriga a imponente Cidade Imperial, um vasto complexo de palácios e templos que resguarda o esplendor do passado. Além dela, os túmulos imperiais, cercados por vegetação exuberante e pagodes seculares, reforçam o charme místico da região.

O maior destaque da cidade é a Cidadela Imperial, com suas muralhas imponentes e arquitetura refinada. Apesar dos danos severos causados pela Guerra do Vietnã, o local ainda preserva sua grandiosidade e permite um vislumbre do refinamento da antiga corte. Além disso, os túmulos imperiais, como os dos imperadores Minh Mạng e Khải Định, são verdadeiras obras-primas arquitetônicas, mesclando influências vietnamitas, chinesas e francesas.

Nosso roteiro foi cuidadosamente planejado para que esses lugares históricos fossem explorados de bicicleta, permitindo uma imersão mais profunda na atmosfera única de Hue.

11º dia:  Explorando arredores de Hue 31,6km

A noite anterior foi de chuva intensa. Pela manhã, ao acordarmos, encontramos o céu ainda coberto por nuvens carregadas, mas, felizmente, sem chuva. Seguimos pedalando ao longo do Rio Perfume, desviando de um grande número de motocicletas em meio ao trânsito caótico.

Nossa primeira parada foi no Memorial aos Soldados Caídos, um monumento construído no início do século XX para homenagear os soldados franceses e vietnamitas que morreram lutando pela França contra a Alemanha na Primeira Guerra Mundial.

 

Dali, continuamos o percurso por uma grande avenida, ainda acompanhando o rio, até que Ky nos guiou por pequenos bairros, afastando-nos gradualmente do tumulto do centro da cidade.

O dia incluía várias paradas programadas, e a segunda delas foi uma visita a Hổ Quyền (Arena do Tigre), uma verdadeira joia histórica que oferece um vislumbre fascinante do passado real do Vietnã. Construída no início do século XIX, essa arena foi palco de lutas entre tigres e elefantes, um espetáculo organizado para demonstrar o poder e a grandiosidade da dinastia Nguyễn. A estrutura impressiona pela sua arquitetura robusta e detalhes intrincados, refletindo a importância cultural da época. A última luta registrada aconteceu em 1904, durante o reinado do Imperador Thành Thái, marcando o fim de uma tradição extraordinária. O local estava fechado, mas, a pedido de Ky, o zelador gentilmente permitiu nossa visita.

Seguimos pedalando por ruas movimentadas em direção à Vila do Incenso – Thuy Xuan, um lugar com mais de 700 anos de tradição na fabricação de incenso. Antigamente, a vila fornecia incensos para a corte e os mandarins da dinastia Nguyễn. O colorido vibrante dos bastões de incenso espalhados pelas lojas e o aroma adocicado do ambiente tornam a experiência única. Ainda inebriados pelo perfume do lugar, partimos para mais uma visita.

Nosso próximo destino foi o Túmulo de Tự Đức,

 

um dos mais belos e melancólicos complexos imperiais de Huế. Construído no século XIX como palácio de verão e local de descanso eterno do imperador Tự Đức, o lugar impressiona pela perfeita harmonia entre arquitetura e natureza. Com pavilhões elegantes, pontes ornamentadas e um lago coberto de lótus, o túmulo reflete o espírito contemplativo do imperador, que, apesar de seu poder, viveu tragédias pessoais, incluindo a ausência de herdeiros. Curiosamente, seu corpo nunca foi enterrado ali, e o local exato de seu sepultamento permanece um mistério.

 

Ainda fascinados pela história do lugar, seguimos viagem e logo fizemos uma pequena travessia de barco pelo Rio Perfume. Continuamos pedalando por uma estrada rural, passando por cemitérios e pequenos vilarejos, até chegarmos ao Pagode Thien Mu (Chùa Thiên Mụ), um dos templos budistas mais icônicos do Vietnã, também conhecido como Pagode Linh Mụ.

 

 

Depois de uma manhã repleta de descobertas, fizemos uma pausa em um restaurante tradicional vietnamita para apreciar a culinária local. Enquanto almoçávamos, o céu, que começara nublado e teve momentos de sol discreto, deu sinais de que a chuva voltaria.

 Cidade Imperial de Hue

Com o tempo fechando novamente, aceleramos o ritmo para alcançar nosso próximo destino: a Cidade Imperial de Hue. Esse magnífico complexo de palácios, templos e muralhas, construído no início do século XIX, testemunha a grandiosidade da dinastia Nguyễn. Inspirada na Cidade Proibida de Pequim, a cidadela é cercada por imponentes muralhas e fossos. Dentro de seus portões, encontram-se o Palácio da Suprema Harmonia, onde os imperadores eram coroados, além de templos dedicados aos ancestrais da dinastia. Apesar dos danos causados pela Guerra do Vietnã, a Cidade Imperial ainda preserva parte de seu esplendor e oferece aos visitantes um vislumbre do refinamento e das tradições da corte real. Caminhar por seus pátios silenciosos é como viajar no tempo, sentindo a presença viva do Vietnã imperial.

 

Infelizmente, a chuva que ameaçava cair chegou com força total, interrompendo nossa visita e impossibilitando que continuássemos pedalando. Com o trânsito caótico e a tempestade intensa, optamos por retornar ao hotel de van, encerrando um dia repleto de história, cultura e momentos inesquecíveis.

12º dia: Hue a Hoi An 75,5km

Logo após o café da manhã, fizemos um breve traslado saindo de Hue em direção à costa. O percurso de van teve como objetivo encurtar a distância e nos livrar do trânsito caótico. Depois de aproximadamente 22 km em Vinh An , retomamos as bicicletas e começamos a pedalar ao longo de uma estrada peninsular estreita e pitoresca.

Atravessamos o estuário do Rio Perfume e, a partir dali, seguimos pedalando pelo Passo Phuoc Tuong  , até chegarmos à pequena vila de Vinh An, uma cidade fantasma envolta em mistério e silêncio. Antigamente habitada, foi gradualmente abandonada, restando apenas construções esquecidas pelo tempo, tomadas pela vegetação densa.

Nas proximidades, um cemitério monumental se destaca. Diferente de qualquer outro, abriga túmulos ricamente ornamentados, verdadeiros mausoléus erguidos em homenagem aos ancestrais. As lápides decoradas com dragões, templos em miniatura e cores vibrantes contrastam com a atmosfera solene do local. Cada túmulo conta uma história, refletindo a devoção dos descendentes que, mesmo longe, mantêm viva a memória de seus entes queridos.

 

Deixei o lugar deslumbrada, imaginando o quão desafiador deveria ser para os artesãos construírem os templos de mosaicos ricamente detalhados. Como que atendendo à minha curiosidade, nos deparamos com um mausoléu em construção. Parar e observar a concentração dos artesãos foi um privilégio, testemunhando de perto a paciência e a habilidade necessárias para dar vida a cada detalhe da construção.

O trajeto seguiu pela deslumbrante Baía de Lăng Cô,

revelando paisagens espetaculares ao longo de estradas sinuosas, com barcos de pesca de madeira balançando suavemente na água e florestas exuberantes cobrindo as encostas.

 

 

Durante o percurso, Ky fazia questão de parar sempre que avistava algo interessante sobre a cultura local. Com entusiasmo, nos contava detalhes fascinantes, como as construções adaptadas para atrair andorinhas. Essas “casas de passarinhos” são projetadas para imitar cavernas naturais, o habitat preferido dessas aves para construir seus ninhos. Com pequenas aberturas, umidade controlada e até sons gravados para atraí-las, esses locais garantem a produção dos valiosos ninhos de saliva, ingrediente altamente apreciado na culinária e medicina tradicional asiática, especialmente na famosa sopa de ninho de andorinha.

Outro detalhe curioso que Ky nos apontou foram os pneus de borracha deixados no acostamento, cobertos por conchas. A princípio, pareciam apenas objetos esquecidos, mas logo descobrimos que tinham um propósito específico na vida dos pescadores locais. Pneus afundados ajudam a formar recifes artificiais, criando abrigo para peixes e outros organismos marinhos, aumentando a biodiversidade e facilitando a pesca.

Laguna de Lăng Cô

Fizemos uma parada estratégica na Laguna de Lăng Cô para o almoço, preparando-nos para o grande desafio do dia: a Passagem de Hải Vân,

 

Passagem de Hải Vân,uma subida íngreme de 10 km que exigiria bastante esforço. Conhecido como Cloud Pass (Passo das Nuvens), esse trecho icônico se ergue sobre a Cordilheira Bạch Mã, parte da imponente Trường Sơn, e é famoso por suas curvas e vistas impressionantes. No topo, uma paisagem de tirar o fôlego se estende entre as montanhas e o oceano, frequentemente envolta por nuvens.

 

Fizemos uma pausa para recuperar o fôlego e apreciar a vista, mas, infelizmente, encoberto pela névoa, ocultando parte da grandiosidade do local.

A partir dali, iniciamos a descida sinuosa até a base, onde, mais uma vez, trocamos as bicicletas pela van e seguimos rumo a Hội An, a encantadora cidade mercantil que preserva seu charme histórico e é reconhecida como Patrimônio Mundial da UNESCO.

13º dia: Explorando Hoi An

Hoi An, é uma cidade que parece congelada no tempo. Antigo porto comercial entre os séculos XV e XIX, foi ponto de encontro de mercadores chineses, japoneses e europeus, deixando um legado arquitetônico e cultural único. Seu Centro Histórico, reconhecido como Patrimônio Mundial da UNESCO, abriga ruas estreitas de paralelepípedos, casas de fachadas amarelas e templos ancestrais.

Entre os destaques da cidade, a Ponte Coberta Japonesa, construída no século XVI, é um símbolo icônico, ligando os antigos bairros japonês e chinês. Os Salões de Assembleia Chineses, como o Phuc Kien e o Cantonês, impressionam com sua arquitetura ornamentada e altares dedicados a divindades protetoras. As Casas Antigas, como a Casa de Tan Ky, preservam séculos de história com influência vietnamita, chinesa e japonesa.

 

Ao cair da noite, a cidade se transforma em um espetáculo de luzes, com lanternas coloridas iluminando o Rio Thu Bồn e mercados vibrantes à beira da água. O Mercado Noturno de Hội An é um convite a explorar a cultura local, seja experimentando pratos típicos como o Cao Lầu e o Banh Mi, seja adquirindo artesanato regional. 

14º dia: De Hoi An para Saigon

Logo pela manhã, deixamos Hoi An. Um transfer nos levou ao aeroporto para um voo com destino a Saigon, já no sul do Vietnã. Assim como nas regiões norte e central, em Saigon também contaríamos com o suporte de um ciclista local – Hạppiness, que já nos aguardava no aeroporto.

Seguimos de van até o hotel e, mais tarde, acompanhados por ele, fizemos um passeio a pé para explorar alguns dos locais mais emblemáticos da cidade: Mercado de Ben Thanh, Ópera de Saigon, Hotel Continental, Palácio da Reunificação, Catedral de Notre-Dame, Correios Centrais e o Museu dos Vestígios da Guerra. Foi uma excelente introdução à história de Saigon.

À noite, saímos para jantar e discutimos os planos para explorar a região de bicicleta. Teríamos quatro dias de pedal, percorrendo as paisagens e vilarejos do Delta do Mekong, com paradas em Trà Vinh, Cần Thơ e Cái Bè, uma imersão na cultura e no ritmo de vida do sul do Vietnã.

15º dia: Tra Vinh 46,4 km

Logo pela manhã, deixamos o hotel e seguimos em um curto traslado até os arredores de My Tho, conhecida como a porta de entrada para o delta do Mekong. Lá, retomamos as bicicletas e começamos a pedalar ao longo de um pequeno riacho, atravessando plantações de arroz até chegarmos ao estuário do Mekong. Assim como com os ciclistas anteriores, Happiness fez várias paradas ao longo do percurso para nos mostrar detalhes fascinantes da cultura local.

 

A primeira parada foi no Templo Taoista Cao Dai, um lugar de espiritualidade e simbolismo. Com sua arquitetura vibrante, o templo impressiona com colunas ricamente decoradas, tetos estrelados e a icônica imagem do Olho Divino, representando a onipresença de Deus. O culto Cao Dai busca a união entre religiões e a evolução espiritual da humanidade, refletindo a diversidade cultural do Vietnã.

 

Seguimos pedalando até pararmos na casa de um morador local, onde tivemos a oportunidade de conhecer o processo de secagem das ervas medicinais. No local, um pequeno depósito armazenava uma impressionante variedade de ervas, cada uma com propriedades terapêuticas específicas. Um dos moradores nos explicou a importância dessas plantas na medicina tradicional vietnamita e como seu uso tem sido passado de geração em geração. Foi uma experiência enriquecedora ver de perto como esse conhecimento ancestral continua presente no cotidiano das comunidades do delta.

Ao longo do caminho, notamos a abundância de plantações de coqueiros,

um dos grandes símbolos da região. No delta do Mekong, o coqueiro não é apenas uma árvore, mas uma fonte essencial de sustento para muitas famílias. Fizemos uma parada em um dos galpões onde homens e mulheres trabalhavam com o coco, transformando cada parte da fruta em produtos úteis.

 

Descobrimos que o aproveitamento do coco vai muito além da alimentação. A casca e a fibra são utilizadas na produção de cordas resistentes, amplamente empregadas na navegação e no artesanato local. A madeira do coqueiro serve para a construção de casas, pontes e móveis, enquanto as folhas são aproveitadas para cobrir telhados e confeccionar utensílios tradicionais. Foi fascinante ver como nada é desperdiçado e como esse recurso natural desempenha um papel fundamental na economia local.

Durante o trajeto, fizemos uma travessia de balsa, uma experiência que nos permitiu apreciar a tranquilidade do rio antes de retomarmos nosso pedal.

 

Após percorrer cerca de 30 km de bicicleta, colocamos as bikes na van e seguimos por mais 40 minutos até nosso hotel, o Coco Riverside Lodge.

Antes do jantar, o hotel nos proporcionou um momento especial: uma aula de culinária vietnamita, onde aprendemos a preparar deliciosas panquecas de arroz. Uma forma divertida e saborosa de encerrar o dia, imersos na cultura e nos sabores do Vietnã.

16º dia: Can Tho 62,8 km

Logo pela manhã, deixamos o hotel e seguimos em um traslado de 40 minutos para nos aprofundarmos ainda mais na paisagem única do delta do Mekong. Nossa primeira parada foi um belo Pagode Khmer, onde pudemos apreciar a arquitetura ornamentada e a forte influência cultural da comunidade khmer na região.

 

A partir dali, iniciamos o dia de bicicleta, pedalando por campos de arroz, rios e canais, cruzando inúmeras pontes que revelavam vistas encantadoras de aldeias flutuantes. Além dos extensos arrozais, a paisagem era pontilhada por plantações de banana, coqueiros e árvores cítricas, criando um cenário vibrante e repleto de vida.

 

No caminho, ao passar por uma vila, Hạppiness fez uma parada para nos mostrar um crematório. No Vietnã, os crematórios tradicionais são parte essencial dos rituais funerários, refletindo crenças espirituais e costumes ancestrais. Diferentemente das grandes cidades, onde os crematórios modernos são comuns, nas aldeias o processo muitas vezes ocorre em espaços abertos, próximos a templos ou em áreas designadas dentro da comunidade.

Após alguns quilômetros pedalando, fizemos uma pausa para um merecido café em um estabelecimento local. Revigorados, seguimos, atravessando trilhas tranquilas e pequenas vilas.

Os templos do percurso

No percurso, ainda nos deparamos com alguns pagodes e, claro, parávamos para visitá-los, como o Chùa Vạn Hòa. O dourado das torres brilha sob o céu azul, enquanto o aroma do incenso envolve o ambiente. Uma fileira de Budas, serenos e dourados, parece guiar os visitantes em um caminho de introspecção. Cada detalhe do templo reflete a fé e a tradição budista.

 

A jornada de hoje foi intensa, percorrendo longas trilhas pelo interior do delta do Mekong até Can Tho. Após o almoço, seguimos, atravessando um rio a bordo de uma balsa local, uma experiência autêntica que nos conectou ainda mais ao ritmo de vida dos moradores da região.

 

 

Ao final do percurso, carregamos nossas bicicletas na van e seguimos em um traslado de 90 minutos até Can Tho.

Situada na margem sul do Rio Hau, Can Tho é conhecida por sua densa rede de canais e pelos mercados flutuantes, que são o coração do comércio local. Chegamos ao nosso hotel no fim da tarde, encerrando um dia repleto de descobertas e imersão na cultura do delta do Mekong.

17º dia: Cai Be 50,4 km

Deixamos o hotel pela manhã e embarcamos rumo ao mercado flutuante de Cai Rang, um dos mais vibrantes do Delta do Mekong. Cada barco tem sua especialidade, identificada pelos produtos pendurados em postes altos – um sistema simples, mas eficiente, para atrair compradores. Enquanto muitos barcos permanecem ancorados, outros navegam entre eles, especialmente os que vendem lanches e café, atendendo aos comerciantes e clientes em meio à agitação do mercado.

 

Os barcos, feitos de madeira envelhecida, exibem um charme rústico, refletindo a tradição local. O comércio é focado exclusivamente em produtos agrícolas: batata-doce, melancia, lichia e uma variedade de frutas tropicais. Sem vestuário ou bens domésticos à venda, o mercado preserva sua autenticidade, proporcionando um vislumbre fascinante do cotidiano dos habitantes da região.

 

Após quase duas horas navegando, desembarcamos e seguimos pedalando por vilarejos e extensas plantações de arroz. O Delta do Mekong é conhecido como o“celeiro de arroz do Vietnã”. 

 

No caminho, fizemos uma parada para visitar o Pagode Khmer Phù Ly, um templo que reflete a forte influência da cultura khmer na região. 

Vietnã está entre os maiores exportadores de arroz do mundo

Pouco depois, passamos por um dos muitos galpões de arroz .Grande parte dessa produção é transportada por barcos ao longo dos canais e rios antes de chegar aos centros de distribuição. Os barcos,  de madeira, são facilmente reconhecíveis pela proa decorada com olhos pintados – um detalhe que, segundo a crença local, afasta espíritos malignos e garante uma viagem segura. Ficamos por um tempo observando o vaivém dos grandes barcos carregados de arroz.

 

Seguimos pedalando por pequenas aldeias até fazermos uma breve pausa para um café. Encontramos um local tranquilo, repleto de redes, e aproveitamos para descansar um pouco antes de retomar o trajeto.

 

O caminho seguia margeando o rio Mekong, de onde pudemos observar a dureza do trabalho dos ribeirinhos. Entre a vegetação aquática, vimos moradores coletando jacinto-d’água (Eichhornia crassipes), uma planta flutuante comum na região. Essa planta é colhida por diferentes razões: seu crescimento descontrolado pode dificultar a navegação, além de ser utilizada como forragem para porcos e peixes. Suas fibras também são secas e trançadas para a confecção de cestos, esteiras e móveis. Os ribeirinhos do Mekong dependem diretamente do rio para sua subsistência, seja na pesca, na agricultura ou na coleta de materiais naturais.

 

No final do dia, trocamos as bicicletas por um barco e navegamos até a Casa de Família Ba Linh, uma das pioneiras na hospedagem turística da região.

 

Lá, as refeições são preparadas à moda tradicional vietnamita, em fogão a lenha, conferindo um sabor especial à comida.

 

Antes do jantar, tivemos a oportunidade de participar de uma aula de gastronomia vietnamita, aprendendo um pouco mais sobre os sabores e técnicas culinárias locais.

 

18º dia: Região de Saigon (Ho Chi Minh) 40,5 km

Depois do café da manhã, nos despedimos da família Ba Linh e embarcamos rumo a Cai Be.

 

No trajeto, fizemos uma breve parada para visitar uma casa tradicional, a Nhà Dura CocoHome, onde são produzidos diversos itens derivados do arroz e do coco. Lá, uma jovem trabalhava com concentração na confecção artesanal de balas de coco, enquanto um rapaz alegre e carismático, em frente a um enorme fogão a lenha, preparava pipocas de arroz de maneira totalmente artesanal, um processo fascinante de se observar.

 

De volta ao barco, seguimos navegando por um dos inúmeros canais do rio Mekong, cercados pela paisagem verdejante e pela movimentação dos ribeirinhos em suas embarcações. Assim que desembarcamos, antes de retomarmos a pedalada, visitamos o mercado de Cai Be, agora em terra firme. Vibrante e tradicional, o mercado oferece de tudo: frutas frescas, ervas aromáticas, peixes e uma infinidade de produtos locais que revelam a riqueza da culinária vietnamita.

 

Seguimos então pedalando pelo interior do Delta do Mekong, fazendo uma parada para visitar o magnífico pagode ornamental khmer de Vinh Trang, com sua arquitetura imponente e detalhes dourados que refletem a forte influência budista na região. Depois, retomamos o caminho até My Tho, onde nossa jornada sobre duas rodas chegaria ao fim.

 

Conforme percorria os últimos quilômetros, deixava minha mente viajar por todas as experiências vividas ao longo dessa cicloviagem.

Dizendo adeus

O Vietnã foi uma grata surpresa, mas o que realmente tornou essa jornada especial foram as pessoas que me acompanharam: Tom, Ky e Happinees, os ciclistas responsáveis por nos guiar com segurança, demonstraram um profissionalismo excepcional. Com eles, aprendi muito sobre cada lugar por onde passamos. Seu profundo conhecimento sobre o Vietnã, aliado à disposição incansável de fazer quantas paradas o percurso permitia, tornou a experiência ainda mais enriquecedora.

Já Ted, Pamela e Sherly não foram apenas ótimos companheiros de pedaladas, mas também tiveram uma paciência imensurável com meu inglês precário. A conexão que criamos ao longo do caminho é indescritível e, sem dúvida, levarei comigo esses momentos e essa amizade para sempre.

Nossa cicloviagem chegou ao fim em My Tho. De lá, seguimos de transfer até Saigon, de onde partiríamos em nossos voos de volta para casa, levando na bagagem não apenas lembranças, mas também histórias e laços que ficarão para sempre.